Tecnologia Social é aplicada com a metodologia Construção Compartilhada de Soluções Locais, que conta com a mobilização, escuta e valorização dos saberes das pessoas do próprio território
Por: Larissa Carvalho, Cedaps – Rio de Janeiro
O Mapa Falante Cedaps é uma Tecnologia Social derivada da metodologia Construção Compartilhada de Soluções Locais (CCSL). Ele é amplamente usado no mapeamento participativo, no qual as pessoas que vivenciam o território são protagonistas no diagnóstico e no direcionamento de soluções locais. A partir da escuta ativa, da valorização dos saberes locais e do diálogo constante entre moradores, técnicos e outras partes interessadas é possível construir um olhar mais apurado sobre a realidade territorial.
No Mapa Falante Cedaps, a Construção Compartilhada de Soluções Locais é desenvolvida com a mobilização das pessoas para a construção do mapa. Com isso, são criadas possibilidades de uma reflexão coletiva para, de fato, desenhar o processo do mapeamento sobre um determinado território a partir da percepção de cada um que está contribuindo com essa construção. Professora do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio e membro do Conselho Consultivo do Cedaps, Rogéria Nilza, entende que a metodologia da Construção Compartilhada é, por essência, o princípio do nosso Mapa Falante.
“O Mapa Falante ajuda a quem está trabalhando num dado território a observar, a reconhecer as potencialidades dos desafios a partir da percepção do olhar de cada um sobre aquele local, mas ele também é um material muito importante, rico, no sentido de mostrar as fragilidades e as potencialidades de uma dada localidade. Então, ele é super importante para a metodologia, com essa forma de podermos, coletivamente, fazer esse reconhecimento, mas ele também é um material de divulgação e de difusão de informações.”, explicou.

Esse processo é enriquecido com o apoio de dados técnicos primários e secundários como informações do IBGE, dados de sistemas públicos e questionários aplicados no território, que contribuem para aprofundar a compreensão da dinâmica local. Assim, o Mapa Falante resultante reflete tanto a sensibilidade de quem vive o território quanto análises mais quantitativas, formando um diagnóstico robusto e integrado. Essa abordagem possibilita que as ações para enfrentar os desafios ou fortalecer as potências do território sejam mais precisas e eficazes, pois partem de uma construção legítima, que respeita e incorpora diferentes perspectivas.
Para a geógrafa, que já atuou como assessora do Núcleo de Geoplanejamento do Cedaps, Raphaela Almeida, um dos principais motivos para o crescimento da metodologia foi a capacidade de adaptação a diferentes contextos e necessidades dos territórios.
“Acompanhei e atuei em três formatos de aplicação do Mapa Falante: o presencial em sala de aula, em que facilitei atividades em que os alunos desenhavam em cartolinas elementos cartográficos relacionados às suas vivências no território; o presencial em campo, no qual, em atividades comunitárias, acompanhei jovens no mapeamento de elementos importantes ao longo de percursos definidos por eles, usando aplicativos de coleta de dados em campo, que depois eram organizados em mapas digitais; e remoto durante a pandemia da Covid-19, quando agentes de saúde usaram imagens de satélite e chamadas de vídeo para identificar coletivamente elementos a serem inseridos no mapa. Essa prática se mostrou dinâmica e promoveu reflexões importantes e o fortalecimento do protagonismo local. Assim, é possível fortalecer o entendimento do território e estimular ações transformadoras a partir da participação ativa da comunidade.”, disse.

O Mapa Falante Cedaps pode ser produzido de duas formas: manual e digital. As duas versões seguem um plano formativo que inclui a extração de dados secundários, a construção dos pontos de mapeamento e o desenvolvimento da base cartográfica. A versão digital utiliza a plataforma Google My Maps, enquanto a versão manual é feita com cartolinas e canetas hidrocor, utilizando a memória dos participantes para gerar um mapa visual do território. O aprimoramento da metodologia indica que ela é viva, diz Nilza Rogéria:
“Lá atrás nós fazíamos o mapeamento participativo naquele modelo bem Mapa Falante desenhado no papel. Ele foi ganhando um ar mais sofisticado depois com as pipas – mapeamento aéreo com uma pipa estilo Delta com uma cápsula protetora para acoplar a câmera, que é programada para fazer fotos –, depois o mapeamento digital, e hoje ele é uma experiência muito inovadora e muito rica, podendo amplificar essa visibilidade dos espaços onde o Cedaps vem atuando. […] A metodologia é a Construção Compartilhada e, dentro dela, o mapeamento participativo traz essa potência e essa possibilidade de um desenho coletivo compartilhado para que possamos encontrar caminhos para interferir, intervir e contribuir com melhoria para as condições de vida nos espaços populares onde a gente atua.”, opinou.
Ainda que a forma manual de produzir um Mapa Falante seja parte do caminho trilhado ao decorrer da metodologia para a criação e para os avanços nos mapeamentos dos territórios, a tecnologia ampliou as possibilidades nesse mapeamento participativo. A fonoaudióloga e Assessora Técnica de Educação Permanente do Ciclo Saúde Proteção Social, Flávia Sampaio, conta que essa melhoria foi vista principalmente nas atividades virtuais.
“A tecnologia possibilitou a criação de Mapas Falantes com pessoas que estão muito distantes da gente. Hoje podemos realizar várias oficinas virtuais numa manhã e criar muitos Mapas Falantes, que não deixam de utilizar a Metodologia de Construção Compartilhada, mesmo que sejam virtuais porque conseguimos construir esses mapas utilizando da participação intensa dos profissionais nas nossas formações. Então, possibilitou a construção desse instrumento muito importante que é o Mapa através do meio virtual, e também ofereceu possibilidade de compartilhamento desse conhecimento com outras pessoas para que elas utilizem da construção desse mapa de maneiras tecnológicas, mais modernas, nos espaços onde elas atuam.”, falou.

Com o ponto de vista acadêmico, o Prof. Dr. Leandro Beser, do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Núcleo de Estudos Geográficos (NEGEO), com foco em estudos que envolvem a temática de Cartografia Social e Colaborativa, complementa que metodologia de Construção Compartilhada na criação de um Mapa Falante em um território representa uma ruptura com as práticas cartográficas tradicionais, assim como se dá em parte do processo do mapeamento participativo.
“Muitas vezes essas práticas tradicionais de mapeamento invisibilizam as demandas e privilegiam quem detém poder e capital. O mapa representa uma visão de mundo a partir de quem elaborou aquele mapa e, por isso, há decisões sociopolíticas do que vai e não vai ser mapeado. Sendo assim, é importante entender o contexto sociopolítico dentro do qual o mapa foi elaborado. E além de tudo, tem também um processo de comunicação cartográfica no que se refere ao potencial imenso do mapa como linguagem e como ferramentas de comunicação. […] Outros elementos dessa metodologia é que ela também deve abarcar um processo dialógico em que esse saber técnico-científico e os seus instrumentos, conceitos e definições precisam ser uniformizados, ou seja, precisamos entender os símbolos e os significados em coletivo, mas também fazer com que esse saber técnico-científico possa se entrelaçar com o saber territorial e de vivência dessas comunidades, permitindo que os próprios sujeitos envolvidos no território definam o que é relevante mapear, como representar e com que linguagem”, disse e completou:
“[…] Buscando essa integração com o saber técnico-científico, esses sujeitos envolvidos têm, na verdade, por meio da oralidade e da memória coletiva, envolvimento com o lugar, possibilidade de mapear diferentes aspectos relacionados aos seus territórios e que não necessariamente estão tão evidentes ali. Então, a partir das vivências e da história é possível mapear uma retrospectiva em relação à construção daquele território, suas demandas atuais, que nem sempre estão ali representadas sob uma forma, mas sob desejos, sob vontades e também possibilidades e de visões de futuro para aquele território. Então, eu acredito, na verdade, que há uma ruptura com essa cartografia.”, pontuou
A cartografia social é destacada pelo professor Leandro no que se refere ao mapeamento em territórios quilombolas. Para ele, essa modalidade é importante porque é usualmente empregada para tratar questões de povos indígenas, comunidades quilombolas, e outras demandas sociais de grupos marginalizados.
“A cartografia social tem como método central buscar a representação de territorialidades, memórias, vivências, lutas, demandas, a partir do olhar de quem habita o território, e articula esses saberes locais, processos coletivos, permitindo com que os povos e comunidades construam seus próprios mapas como forma de expressão, de reconhecimento, de resistência e fortalecimento de suas lutas por reconhecimento territorial, visibilidade política, valorizando seus modos de vida, narrativas históricas e também diferentes simbologias e métodos de comunicar seus problemas por meio de mapas.”, concluiu.